sábado, 20 de agosto de 2011

Deusas celtas, soberanas da terra e da guerra



Do grande tronco indo-europeu faziam parte os vários povos celtas estabelecidos em diferentes lugares do continente europeu. Considerados pelos romanos como bárbaros valentes, jamais formaram um império pois lhes faltava uma liderança única, as diversas tribos sempre guerreando entre si. Apesar da sua diversidade étnica, entre os séculos VIII e V a.C. houve uma cristalização da cultura celta com a uniformização dos sepultamentos (os mortos passaram a ser enterrados com armas e pertences e não mais cremados), a construção de fortificações com paliçadas e melhor elaboração dos conceitos e costumes sobre vida e morte. A sociedade celta era dividida em clãs e os laços familiares eram muito valorizados. As mulheres celtas se assemelhavam aos homens não apenas pela sua estatura e altivez, mas também com respeito à coragem e participação ativa nas batalhas, conforme comprovam centenas de relatos de mulheres poderosas e rainhas deificadas como Boudicca e Maeve.
Os celtas respeitavam profundamente a Natureza, honrando a Terra e suas criaturas como elos sagrados na teia da criação e na magia da vida. Esta reverência e o culto de inúmeras divindades ligadas às forças da natureza mantiveram-se intactos mesmo depois da romanização das terras celtas e do sincretismo com os deuses romanos. Porém, a erradicação e perseguição agressiva e opressiva da religião pagã aconteceram com a chegada do cristianismo, que conseguiu impor seus dogmas e proibições apesar da resistência dos druidas e do povo, principalmente o irlandês. Para erradicar a religião pagã e suas tradições os monges cristãos começaram a registrar lendas, mitos, crenças e costumes com as devidas correções e inevitáveis distorções, introduzindo elementos e conceitos cristãos. Mesmo assim, uma boa parte do legado ancestral foi preservada e o substrato original pode ser distinguido se usarmos um “filtro” corretor, olhando além das incongruências conceituais e sobreposições cristãs.
Um dos conceitos celtas mais difíceis de compreender e aceitar - pela nossa cultura cristã e a mentalidade atual - é a associação dos arquétipos sagrados femininos com a guerra. Para transpormos barreiras conceituais devemos conhecer o princípio celta da soberania da terra, sempre representado por uma Deusa Mãe com características protetoras e defensoras. A vida e a sobrevivência dependiam da terra e por isso ela devia ser preservada e protegida, pois desrespeitar a terra e a soberania de um povo significava ofender e ameaçar a própria natureza criadora da vida. A soberania – o verdadeiro poder de quem governava e conduzia os destinos de um povo – pertencia a um arquétipo feminino, a própria Deusa da Terra, com a qual o rei ou governante devia se casar simbolicamente para garantir a prosperidade e paz. O casamento do rei com a Deusa da terra representava as condições indispensáveis para que a soberania se manifestasse: respeito, igualdade, confiança, parceria e solidariedade. A representante da Deusa soberana era uma sacerdotisa ou rainha imbuída de poderes especiais, que até mesmo podia ser divinizada, como se conclui das lendas de Macha, Maeve e Boudicca. Nos mitos aparece de forma metafórica o alerta sobre as conseqüências da opressão, violência e exploração da natureza e da mulher com os inerentes desequilíbrios, a falta de prosperidade e do convívio pacífico.
Em várias lendas, Macha (pronuncia-se Maha) é descrita como uma típica deusa celta tendo um caráter ambíguo: ora generosa e gentil, ora terrível e implacável guerreira.Ela - assim como Maeve – é uma divindade ctônica, ligada às dádivas da terra e à sua necessária defesa e proteção. Maeve (ou Medb) representava o espírito feminino arcaico, existente em cada mulher e que é expresso em grau maior ou menor como comportamento instintivo, impulsivo, corajoso, combativo, sedutor e fértil. Outras fontes citam Macha como sendo uma das faces de Morrighan, a formidável deusa tríplice da guerra, morte e sexualidade (o meio natural para garantir a fertilidade). As faces de Morrighan chamadas de Morrigna eram conhecidas como: Nemain, o frenesi combativo que infundia o terror nos inimigos, Morrighan, a “Grande Rainha” que planejava o ataque e incitava o heroísmo e a valentia dos combatentes, Macha ou Badb, o corvo que se alimentava dos cadáveres dos mortos em combate e que era associada aos sangrentos troféus da batalha (as cabeças decapitadas dos inimigos, consideradas “sua colheita”). Esta triplicidade também era conhecida com os nomes de Banba, Fotla, Eriu, as ancestrais padroeiras da Irlanda.
A natureza das deusas celtas é multifuncional e com complexos significados, mesclando elementos ancestrais dos pacíficos povos pré-celtas (maternidade, fertilidade) com os dos combativos celtas, onde prevaleciam atributos de guerra, morte e sexo, acrescidos de soberania.Várias divindades representam uma paradoxal união de extremos: amor e guerra, guerra e fertilidade, guerra e soberania. Não existe uma deusa do amor no panteão celta, as deidades - deusas e deuses- simbolizam as forças da natureza e a eterna roda da vida/ morte/renascimento, início/ fim/recomeço, em que os opostos se seguem em círculos evolutivos e tem o mesmo peso.
Na filosofia celta não existia vida sem morte, nem paz sem guerra. Cada ser traz em si estes elementos e pela sua percepção vemos a necessidade do seu equilíbrio, que pode ser desestabilizado pela supervalorização de uma característica em detrimento de outra. Nosso desenvolvimento espiritual depende da compreensão e harmonização de todos os elementos que fazem parte do nosso ser. Somente conhecendo a face escura e selvagem e “domando-a”, poderemos tomar consciência da nossa divina complexidade, conhecendo assim a verdadeira e completa natureza. É possível unir as qualidades maternais e femininas com os aspectos guerreiros, os dons da arte, magia e sedução.
Em muitas referências míticas, iconográficas e literárias vê-se a forte ligação entre as deusas da guerra e a presença de mulheres nas batalhas. Indo além das interpretações tendenciosas romanas e as difamações cristãs, percebemos esta ligação como uma associação simbólica entre guerra e ritual. Para os celtas a caça era uma atividade que envolvia rituais para assegurar o sucesso, da mesma forma como as mulheres celtas vestidas de preto, com os braços elevados e proferindo maldições contra os conquistadores romanos tinham um forte componente ritualístico.As sacerdotisas que atuavam nos campos de batalha usavam encantamentos para atrair poderes sobrenaturais e direcioná-las contra os inimigos, fortalecendo seus companheiros para não recuar perante o inimigo. Os historiadores romanos descreveram as mulheres celtas como bruxas ferozes e ameaçadores, altas, robustas, com pele alva e olhos azuis e longos cabelos ruivos, sacudindo os punhos com raiva e gritando maldições. Em outras situações, as mulheres ficavam com seus filhos na retaguarda e incentivavam seus homens com gritos e orações para que lutassem melhor e não desistissem.
Das inúmeras mulheres guerreiras, sacerdotisas e rainhas poderosas sobressaem-se duas famosas rainhas: Cartimandua, dirigente dos Brigantes, sacerdotisa da deusa Brigantia e Boudicca governante dos Iceni, que se tornou famosa por venerar a deusa Andraste ou Andarta, a deusa da guerra citada por várias fontes. O nome Boudicca ou Boadiceia se origina na palavra celta bouda que significa vitória. A sua história é repleta de atos de coragem nas batalhas e crueldade com as prisioneiras, que eram empaladas vivas e mutiladas como oferendas sangrentas para a deusa Andraste e uma vingança pelo estupro das suas filhas e a conquista da terra pelos romanos. Existe um forte elo entre Boudicca e Andraste, podendo serem vistas como aspectos de uma mesma entidade, uma residindo no mundo sobrenatural e a outra sendo uma valente dirigente e cruel guerreira humana, ao mesmo tempo servindo como sacerdotisa da deusa da guerra.
Andraste ou Andred cujo nome significa ”A Invencível’ era uma deusa irlandesa equiparada com Andarte cultuada na Gália e com características semelhantes à Morrighan, sendo evocada na véspera das batalhas para garantir a vitória.Os romanos diminuíram seu status para uma deusa lunar (por ser a lebre seu totem) e a associaram ao amor e fertilidade. No entanto, o arquétipo original de Andraste é de uma deusa escura e ceifadora, invocada apenas nos momentos de extrema necessidade, pois ela exigia sacrifícios de sangue humano, considerado o mais potente substrato mágico.Ela controlava os fios da vida de cada ser humano, do nascimento até a morte, pois a morte era parte inevitável da vida. O seu lado sombrio (da anciã) era amenizado pelos seus atributos de deusa lunar, regente do amor e da fertilidade (como mãe criadora da vida) e regente da caça (na sua face de donzela).
O aparente paradoxo entre os aspectos e naturezas das deusas celtas reflete a profunda compreensão do processo de dar/receber, nascer/morrer, começo/fim. Muitas deusas aparecem como figuras promíscuas e destrutivas, mas elas personificavam aspectos da natureza, como a fertilidade e a soberania da terra, que tinham que ser defendidas a qualquer preço para assegurar a sobrevivência dos descendentes. A criação e a destruição são processos interdependentes, existe uma ausência de vida na escuridão da terra que recebe os mortos, mas também é a terra escura que abriga e promove o desabrochar das sementes, que renascem - assim como os mortos nela enterrados - para uma Nova Vida.

sábado, 6 de agosto de 2011

Animais Sagrados



“Se você falar com os animais, eles falarão com você.
E assim, vocês conhecerão um ao outro.
Se você não falar com eles, não os conhecerá...
...E aquilo que você não conhece, você teme.
... E aquilo que se teme, se destrói.”

[Anônimo]

Em todas as tradiçoes xamânicas os animais são vistos como arquétipos, símbolos de energias que existem e que podemos encontrar e manifestar dentro de nós.


E como arquétipos energéticos, cada pessoa tem seu "Animal de Poder" e seu “Animal Alado”, que correspondem às características que aquela pessoa necessita desenvolver, aprender e manifestar em si, em determinado momento de sua vida.


A sabedoria existente em um animal específico, não está necessariamente ligada com sua aparência ou com os pré-conceitos e crenças criados a respeito do mesmo pelo homem, e sim pelo seu poder natural.


ANIMAL DE PODER

Todos nós possuímos apenas um. No contexto de cura do Grande Espírito ele representa nosso ego e características da nossa personalidade. As personas (máscaras) que usamos, nossas habilidades conhecidas e aquelas a que ainda não tivemos acesso. 



Significa “o nosso lado negro”, a única força existente em nós que consegue combater a força da magia negra. Este animal recebe e compartilha esta força da Mãe-Terra. Representa nossa sombra, nosso lado escuro, que ao ser iluminado pela luz do conhecimento nos remete a transformação. Todos nós possuímos um lado negro e um lado de luz. Quando negamos essa energia existente em nós humanos, não permitimos o nosso crescimento e as soluções de todos os nossos problemas. 


ANIMAL ALADO 


Representa nossa cura interna. A luz dourada da sabedoria. Significa todos os nossos conhecimentos adquiridos em todas as vidas. É o elo de proteção do nosso eu com o Grande Espírito. 


Nosso animal espiritual. Ele traz a visão transcendente da situação e o poder para resolvê-la. Nos ajudando a ir além de nossa visão pessoal, a encontrar as soluções através dos arquétipos, forças sagradas e divinas.

Tanto o Animal de Poder, como o Animal Alado, é que escolhe a pessoa e não o contrário. Através de uma jornada xamânica a toques de tambor o animal se apresenta para a pessoa. É importante não deixar que o ego interfira no seu processo de encontro com o Animal Sagrado. Muitas vezes a pessoa deseja que seu animal seja o mais bonito ou mais forte em sua opinião, e esses desejos do ego acabam atrapalhando a apresentação do animal que ela realmente necessita.

É importante lembrar que nenhum animal é melhor ou pior que outro.

Uma vez que descobrimos nossos Animais Sagrados, devemos estabelecer um relacionamento com os mesmos. Devemos invocá-los, ao realizar nossas tarefas do dia a dia, visualizá-los freqüentemente perto e dentro de nós, e buscar aprender a desenvolver e manifestar suas características. Lembrando sempre que ao invocar o Animal Sagrado, seja o de Poder ou Alado, não invocamos algo que vem de fora, e sim a energia animal que está dentro de nós.

Outro motivo de confusão no meio xamânico é quanto ao termo “Totem”. Conforme trilhamos o Sagrado Caminho do Xamanismo, aos poucos, vamos construindo nosso Totem Sagrado, que corresponde na verdade, à unificação dos Animais Sagrados, dos Animais Guardiães das Quatro Direções e os Animais dos Clãs, que vão se associando ao nosso Eu Xamã e formando assim, nossa Identidade Xamânica. Apenas um xamã experiente e com vários anos de caminhada pode afirmar que possui um Totem desenvolvido.

Mesmo após desenvolvermos um Totem Sagrado, outros animais ainda podem se apresentar para determinada pessoa, dependendo do trabalho que a mesma está realizando ou vai realizar. Estes animais são conhecidos como “Animais Auxiliares”.

É muito importante estarmos atentos aos sinais e mensagens que o arquétipo do animal está nos passando. Eles podem aparecer em sonhos, jornadas, no dia a dia, na mente, através de um filme, desenhos, pinturas, ou através de outros meios.

E se quisermos realmente compreender as características de um determinado animal, devemos estudá-lo, para entender o que ele tem para nos passar. Estudar seu habitat, hábitos, o que come, medos, presas, sons que manifestam e outros detalhes, será a oportunidade de aplicarmos seus ensinamentos em nossas vidas.